Capítulo 5 - Lovat-Erin

Quase sempre foram solitários os pensamentos de Lovat-Erin. E rápidos, quase inexistentes. Quase sempre filhos da deformação solipsista da introspecção, quase nunca fruto do diálogo criador da polémica colectiva.
"-Não é bem o diálogo com uma muda folha branca de papel que desejo!..."
Para Lovat-Erin, a simpatia estética seria sempre origem de contemplação. Quando muito transformada em auto-contemplação. O que havia de admirável nele? Seria a beleza uma imagem-delícia para o deleite eterno? Ou o ponto de partida para conquistas de outro tipo de beleza? A beleza do movimento, do anti-estático, do anti-contemplativo, do anti-empedernido, do anti-esclerose, da transformação permanente.
Já alguém, um dia, lhe dissera que ele tinha crescido. A beleza de crescer. Lovat-Erin gostava de saber se capítulo após capítulo, alguma coisa nascia. Gostava certamente de saber se poderia lançar à sua volta algo que valesse a pena. Mas não seria poesia, poesia nunca mais! Seria a negação da poesia. Pelo menos, como Lovat a entendia. Tudo, menos a contemplação. Qualquer coisa de duro. Do real obrigatório, que é, parafraseando Júlio Verne, a verdade mais forte que os factos, o imaginário.
Lovat-Erin acreditava no sonho como fonte de movimento, agente de transformação. Como a Pedra Filosofal, do Gedeão. Assim a beleza do imaginário se transmutava em aventura. O sonho consciente, criador. "E pur si muove!" E porquê não um livro de sonhos inexplorados como ponto de partida? É certo que essa obra, apenas um marco, ponto fulcral de aplicação das palavras-alavancas, tem sido penosamente arrastada pelos anos de incerteza. Mas nisso também reside a sua virtude, pois não pode a certeza ser a mãe da ambição.
Lovat-Erin gostava de um dia poder escrever no painel da sua face, então aberto à felicidade: "LIVRE"! (Sem aspas...)
Mas na verdade sentia-se preso ao seu próprio passa do. Não em demasia, mas algo preso, e não bem no passado, mas ao hábito dos seus preconceitos. Ou melhor: preso ao comodismo da superprotecção. Preso ao medo de se sentir mal com a ruptura com todo o 'status quo ante'. Da insegurança que sentiria, da que já sente ao imaginá-lo. Uma reacção de adolescência muito, muito tardia.
Mas isto, tudo isto, não vale a pena lançar à sua volta, pensa Lovat. Isto destina-se apenas a uma pessoa. Apenas a alguém que queira conhecê-lo melhor. E só depois que consiga compilar todos estes pequenos fragmentos de pensamento. Depois de lhes dar uma sequência, se não cronológica, nem lógica, pelo menos psicológica. Terá? Se não tiver, será de facto necessária? Se sim, para quê e para quem?
"Não é nesta idade que se fazem estas perguntas" diz o psicólogo de gravata, "é um processo de auto-destruição" diz o psiquiatra estabelecido no 'stablishment'.
Mas a verdade é que Lovat-Erin continuava a pôr-se em causa continuamente, e questionava: "Porque fujo eu aos problemas, é normal fugir? O que é normal, e fugir? É preciso ser normal, e para quê? O normal existe? Fugir será? Sim, sim, sim!"

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